Federação Académica do Porto apresenta projeto–piloto da semana de 4 dias
Estudantes denunciam cargas horárias excessivas, sistema de ensino arcaico e desvalorização das aprendizagens não formais. Conhece a proposta, na íntegra, enviada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Portugal está entre os países europeus que detêm valores mais elevados de carga horária. São 21 horas de aulas semanais, contrastando com as médias de 16 a 18 horas da França, Bélgica e Países Baixos, as 14 a 15 horas do Reino Unido e Irlanda e as 10 horas da Suécia. Se contabilizarmos a estimativa de tempo de dedicação por ECTS atribuído a cada Unidade Curricular, um estudante do Ensino Superior Português despende, em média, 46 horas semanais em atividades letivas e de estudo.
«A proposta desenvolvida não pretende que as Instituições de Ensino Superior (IES) funcionem apenas durante 4 dias por semana. Pretende uma reorganização da jornada de aulas.», afirma Ana Gabriela Cabilhas, Presidente da Federação Académica do Porto. «A sociedade tem evoluído de forma tão disruptiva que o país quer testar a semana de 4 dias de trabalho. Peço que o Ensino Superior integre, pelo menos, a reflexão. Se nunca testarmos, nunca saberemos se resulta.»
A par, Portugal está, simultaneamente, entre os países europeus com maior prevalência de perturbações do foro psicológico ou psiquiátrico. A população estudantil não é exceção e as situações de burnout são cada vez mais frequentes entre os estudantes do Ensino Superior.
«A redução da carga horária pode apresentar externalidades positivas no bem-estar físico e na saúde mental dos estudantes.», sustenta Ana Gabriela. «A carga horária excessiva, a pressão relativamente à média final, a incerteza sobre o futuro profissional ou a dificuldade em conciliar a componente letiva com a participação em atividades extracurriculares e a prática frequente de exercício físico são algumas das variáveis apontadas pelos estudantes que motivam o aumento dos níveis de ansiedade e exaustão.».
O elevado volume de carga horária média no Ensino Superior Português tem contribuído, de forma decisiva, para o baixo número de trabalhadores-estudantes a frequentarem as IES. De acordo com dados do Eurostat, em 2021, a percentagem de trabalhadores-estudantes no Ensino Superior nacional não alcançava os 10%, encontrando-se a média europeia estimada em 18%.
Para a Academia do Porto, o formato das aulas, sobretudo no que respeita às componentes teóricas, ainda assenta num modelo predominantemente expositivo, com comunicação unidirecional e participação passiva dos estudantes. A reorganização do horário semanal é possível, se adotarmos diferentes práticas e métodos pedagógicos. «Para compensar a redução da carga horária, a adesão ao projeto-piloto deve contemplar a tecnologia como um elemento facilitador na missão de ensinar. O tempo de contacto docente-discente deverá tornar-se mais dinâmico, estimulando e motivando os estudantes através de novas metodologias e da introdução de ferramentas digitais que vão de encontro às capacidades e interesses dos "nativos digitais”. Durante a pandemia, foram adotados formatos positivamente valorizados pelos estudantes.», retrata a Presidente da organização estudantil.
A formação docente é uma das alíneas mais significativas da reestruturação proposta, uma vez que a introdução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) implica maior disponibilidade de conteúdos desmaterializados, bem como novos métodos de ensino-aprendizagem, diferentes materiais didáticos e acesso a plataformas de e-learning. «As IES que adiram ao projeto-piloto proposto devem preparar cursos de formação pedagógica e de desenvolvimento de competências de coordenação pedagógica, focados na conceção e planeamento do processo de ensino-aprendizagem num novo contexto.», explica Ana Gabriela Cabilhas.
Um ensino centrado no estudante requer, portanto, uma mudança na natureza sumativa e classificatória da avaliação. «Mudar este paradigma também é um aspeto relevante, pois os estudantes organizam o seu estudo e, por consequência, as competências que desenvolvem, em função dos métodos utilizados para a avaliação de conhecimentos.», conclui.
A libertação de 1 dia útil permite aumentar o tempo disponível para atividades de desenvolvimento transversal, de caráter formal ou informal, e para a participação em atividades desportivas, culturais, associativas ou de voluntariado, na IES ou na cidade de estudo. A valorização formal da aprendizagem não formal é essencial para que mais estudantes compreendam a importância de desenvolverem outras competências fora da componente letiva e a dedicação que esta exige. O desenvolvimento pessoal e interpessoal dos estudantes é fundamental para a inserção na vida ativa.