Carta aberta ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no Dia Nacional do Estudante

Desde há vários anos que o Ensino Superior se encontra em situação precária, com um financiamento que resulta de contratos de (des)confiança que nunca foram cumpridos. Hoje está mesmo em situação de sem abrigo se considerarmos a falta de alojamento académico e a incapacidade de muitas instituições fazerem face às despesas correntes.

Está em causa a hipoteca de uma geração!

É meu dever, enquanto estudante e dirigente associativo, escrever-lhe esta carta. Estamos hoje, dia 24, a comemorar o Dia Nacional do Estudante e o tema sobre o qual lhe escrevo é a situação precária, não apenas do alojamento estudantil, mas de todo o sistema de Ensino Superior.

As federações e associações académicas e de estudantes, as instituições de Ensino Superior e os serviços de Ação Social têm vindo a alertar para a falta de investimento no Ensino Superior. A falta de investimento tem sido sucessiva, agravando-se nos anos da crise. Aos dias de hoje, a sua recuperação não acompanhou a de outros setores.

Soma-se a este fator a falta de residências estudantis. Durante muitos anos o mercado de arrendamento respondeu às necessidades de muitas famílias. Porém, a positiva retoma económica com base no turismo que tem trazido uma dinâmica tão grande às cidades, tem deixado muitos estudantes na rua. O constante aumento do valor das rendas tem vindo inviabilizar essa alternativa, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Este ano letivo encontrar alojamento por menos de 350 € ou 400 € foi sucessivamente mais complicado. São valores incomportáveis. E esta é uma situação que afeta cada vez um maior número de estudantes, incluindo aqueles que não se encontram apoiados pelo sistema de Ação Social direta.

Na Federação Académica do Porto, todos os anos, participamos no acolhimento aos novos estudantes. Este ano letivo foram muitas as situações de aflição com que nos deparámos. Situações que se agravaram com o passar do tempo. Se no início de setembro as dificuldades já eram evidentes, imagine-se os valores de arrendamento com que se depararam os estudantes colocados na 2.ª e 3.ª fase de acesso ao Ensino Superior.

A ideia que propõe de requalificar edifícios devolutos e outro património público pode ser uma solução para o problema que urge resolver, mas não pode ser feito desta forma. É preciso investir para recuperar, é preciso investir para requalificar!

Nada estará pronto em setembro para o início do próximo ano letivo. Mais uma vez. A maioria dos cursos do Ensino Superior tem a duração de três anos. Ao fim de quatro anos de Governo, a inércia de ação terá já custado a hipoteca de uma geração...

Para lá disso, na solução apresentada, existe uma enorme desproporcionalidade entre o aumento da capacidade que propõe para a zona de Lisboa, com cerca de 7500 novas camas, quando para o Porto apenas estão previstas 613, num total de 1650 em todo o Norte. Sobre isto, apenas lhe peço que em vez de propor soluções em função das disponibilidades imobiliárias do Estado, que estude medidas que correspondam às reais necessidades dos estudantes.

É fundamental que existam medidas reforçadas de curto prazo para resolver este problema. Transitórias e excecionais, tal como a situação que se vive no Ensino Superior. Sob pena que os alunos que hoje se encontram a terminar o Ensino Secundário desistam de concorrer ao Ensino Superior por falta de capacidade financeira para encontrar alojamento.

Senhor ministro, nesta carta apelo para que assuma as suas responsabilidades e cuide do Ensino Superior da mesma forma que cuida da sua Ciência, não fazendo do MCTES uma casa de filhos e enteados como tem sido observado por todos os agentes do Ensino Superior.

A igualdade de oportunidades, no acesso e frequência do Ensino Superior, é um direito constitucional. Assegurar o seu cumprimento, através dos mais diversos mecanismos de ação social, é uma prerrogativa do Estado.

O plano que apresentou tem um horizonte temporal de dez anos. A nossa geração não pode esperar isso. Assim, peço-lhe encarecidamente que estabeleça um quadro normativo para a atribuição de complementos de alojamento, à margem do regulamento de atribuição de bolsas de estudo, para apoiar os estudantes deslocados que não têm capacidade financeira para subsistir no Ensino Superior.

Adicionalmente, conhecido o levantamento das necessidades em cada instituição, reforce a dotação que lhes é destinada para que estas possam comparticipar alojamento universitário junto de operadores privados e de particulares que disponibilizem edificado para esse efeito.

É isto que lhe venho pedir.

Espero que encontre soluções que evitem a hipoteca desta geração!

João Pedro Videira - Presidente da Direção da FAP